Foto: Josselene by Maria Luíza
A IMAGEM E OS EUS.
Por Josselene Marques
A princípio, apreciamos a
imagem – o eu aparente – da pessoa e não a sua essência. Por isso mesmo nos
impressionamos e nos deixamos seduzir tão facilmente.
O fato é que dificilmente
conhecemos o eu real de alguém. É raro encontrar uma pessoa transparente ou
autêntica. Mesmo que ela consiga realizar tal proeza, em certas situações da
vida pessoal, do trabalho e dos demais relacionamentos em sociedade, fatalmente,
acabará tendo que dissimular para conciliar; principalmente, se sua intenção
for agradar e ganhar simpatia, confiança e admiradores – em detrimento da
lidimidade individual. Sem contar que há, também, quem assim proceda por
interesses escusos – apenas para satisfazer desejos egoístas. Entretanto, em
ambos os casos, prevalece a hipocrisia, que macula a alma e faz pesar a
consciência de alguns.
Para sermos verdadeiros,
faz-se necessária a harmonização do eu real com o eu ideal e o autoconceito.
Além disso, precisamos nos livrar do medo de nos expressarmos sinceramente e
agirmos com justiça e ética, embora tal postura possa ter consequências
indesejáveis e prejudiciais. É o preço que sempre nos será cobrado por nossas
escolhas e atitudes autênticas.
Especificamente, nos vários
níveis e tipos de relacionamentos afetivos, por um variável período, temos o
hábito de seguir gostando das imagens que condizem com uma prévia e íntima
idealização. Contudo, mais cedo ou mais tarde, o convívio diário poderá
destruir, reciprocamente, essa ilusão, pois ninguém consegue fingir
ininterruptamente. Vez por outra, o eu real se descuida e aparece, chocando a
quem está bem mais próximo de nós. De forma paulatina, as decepções vão se
acumulando, o querer, a paixão e o amor se desgastando. Então, o desinteresse
chega e se instala. O fim torna-se iminente. Afinal, não é tão fácil permanecer
ao lado de quem conhecemos profundamente – só quem ama goza deste privilégio.
Apenas o amor é capaz de
resistir, relevar, compreender e perseverar. É comum ouvirmos esta frase de
pessoas que estão enfrentando uma crise afetiva: “Esta não é a pessoa a quem eu
amei, ‘quando a conheci’.” Exatamente! Elas estão certas porque, na verdade,
elas amaram o EU aparente dos seus escolhidos – uma projeção personalizada e
estilizada pela mente seletiva – e não o âmago de cada uma dessas pessoas, com
suas virtudes e defeitos inerentes a todos os seres humanos.
Então, o que nos resta fazer? Temos
apenas duas opções: ignorarmos a realidade e persistirmos na ilusão e na
acomodação ou aprendermos com as experiências. Uma coisa é certa: em todas as
vezes que pensamos maduramente e enxergamos as pessoas através de um novo e
perscrutador olhar, automaticamente, poupamo-nos de algumas dores
desnecessárias ou evitáveis.
Entretanto, não podemos
esquecer de que nossa visão é limitada e, conforme o grau do envolvimento,
mesmo o eu real se revelando, ele poderá passar despercebido, já que sagacidade
não combina com emoção e há eus intransponíveis. Enfim, por mais previdentes que
sejamos jamais estaremos totalmente livres de nos enganarmos ou sermos
enganados.
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Um comentário:
Maravilha de texto! Parabéns, Josselene! Esse é o tipo de texto que deve sair em todos os sites literários (e eu diria, até àqueles relacionados aos problemas amorosos e psicológicos). Muito bom mesmo... É verdade, às vezes ocultamos o nosso eu interior para apenas mostrar aquele que nos interessa e é, comercialmente, mais rendoso. Mas o tempo esclarece e mostra a nossa dicotomia ética entre os eus que nos abastece.
Beijos!
Raí
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