sábado, 1 de setembro de 2012

Rumo ao centenário: 90 valiosos anos de vida

Maria do Carmo relendo "O grande industrial" de Jorge Ohnet 

É com prazer que faço este registro: há exatos 90 anos nascia Maria do Carmo de Farias. Esta tia – a quem amo como se minha mãe fosse – é a mais velha de cinco irmãos. Atravessando décadas e gerações, sua vida tem sido um exemplo de força, persistência e nobreza de caráter; sua presença/existência é um referencial, um porto seguro; enfim, ela é uma fonte inesgotável de sabedoria, experiência e memória – um arquivo vivo da história da nossa família que, há anos, vem sendo repassada a mim e a todos que por ela se interessam.

Entre tantas qualidades, o que mais me impressiona é o seu autodidatismo. É capaz de discorrer, com pertinência, sobre os mais diferentes assuntos do presente e do passado sem aparentar insegurança ou cansaço. Embora tenha cursado as séries iniciais na escola regular (superando obstáculos extras, como a falta de professores – qualquer semelhança com os dias atuais não é mera coincidência , alfabetizou-se aos sete anos), a maior parte do seu saber é oriunda da leitura espontânea e incansável de centenas de livros – muitos deles lidos, com avidez, à luz de lamparina.

Aos oito anos, foi incentivada, por seu pai, a ler o primeiro livro – meu avô o tomara emprestado. Diferentemente da maioria das crianças dessa faixa etária, que leem livros ilustrados ou gibis, o referido exemplar, um tanto volumoso para uma leitora iniciante, foi nada mais nada menos que “O grande industrial” (Le Maître de forges, escrito em 1882), um romance histórico do narrador e dramaturgo francês Jorge Ohnet (Paris, 1848 – 1918). O segundo, de sua vasta lista, foi “Carlos Magno e os 12 pares de França” cuja primeira edição data de 1728, de autoria do médico militar Jerônimo Moreira de Carvalho. Agora, imaginem o naipe dos outros que sucederam estes dois na sua adolescência, juventude e maturidade.

Certo dia, em uma de nossas conversas, ela manifestou o desejo de reler aquele primeiro livro de sua infância. Na ocasião, revelou-me que o havia procurado, mas infelizmente não o encontrara nem na biblioteca e muito menos nas livrarias locais. Sensibilizei-me e tomei como um desafio localizá-lo e adquiri-lo para ela. Graças à bendita internet, consegui comprá-lo em um sebo virtual. Reconheço-me incapaz de descrever a sua expressão de felicidade ao ter, em suas mãos, não apenas a oportunidade de voltar ao final da década de 20 – época em que leu esta obra, mas também ao final século XIX, tempo em que se passou a história narrada neste romance de cavalaria e de exaltação da fé cristã. 

Quando nasci, esta tia amada estava fechando a casa dos 40 anos e vivia bastante atarefada: sua energia e seu tempo eram dedicados ao esposo, aos sete filhos, às tarefas do lar e a um comércio que eles mantinham. 

Nossa afinidade vem de longa data e tem se manifestado de várias formas. A mais intrigante – até para mim – é o fato de, na minha infância, eu conseguir adivinhar o dia em que receberíamos uma de suas raras visitas – segundo minha mãe, nesses dias, eu acordava já falando a respeito dela e tínhamos apenas de aguardar umas poucas horas para vê-la chegar com o seu jeito todo especial e cativante de ser. 

Atualmente, além da coincidência de gostos e sentimentos, há uma espécie de comunicação extrassensorial de pensamentos entre nós: em determinados momentos, é recíproco e simultâneo o desejo de nos falarmos. Nessas horas, um contato telefônico contorna a distância, pois, lamentavelmente, não moramos na mesma cidade e as visitas têm se tornado, cada vez mais, inviáveis. Todavia, nosso laço é inabalável, pois é permanentemente fortalecido por sentimentos de amor, respeito, admiração e consideração. 

Fazer 90 valiosos anos com lucidez, ao lado dos familiares, é um privilégio e tanto. É mais uma marca. É fazer uma conversão para a estrada rumo ao centenário.

Na Sua Misericórdia, que Deus lhe conceda mais saúde a fim de que possa permanecer entre nós, com relativo conforto, pelo tempo que Ele permitir. 

Mesmo na distância, eu me faço presente através deste texto. Reafirmo o meu amor e digo: “quando crescer”, quero, no mínimo, ser parecida com a senhora. Feliz Aniversário!

2 comentários:

Manuel João disse...

Cá agora sei a quem vós saístes...
Meus cumprimentos a vós e a vossa amada tia.

Manuel João
Leiria - Portugal

Anônimo disse...

Linda homenagem, Josselene! Deve ser uma senhora adorável...E culta.
Abraço,s
Raí